9 ºC - Débora Bortoletto

30/07/2012 21:33

 

 

9 ºC

 

Deito na cama. Dormir me parece agora, a única saída. Me reviro de um lado para o outro pensando nas inúmeras possibilidades que se estendiam pra mim, e eu não aproveitara. Droga! Eu nunca fui muito de pensar. A maioria dos indivíduos abaixa todas as cartas na mesa para aí então escolher qual será o melhor jogo. Eu sempre fui de retirar uma carta do montante fechado sem pensar duas vezes. Sempre arrisquei. Caminhava com a certeza de que lá na frente, encontraria algo que me fizesse pensar que toda a jornada teria valido a pena. E porque uso pretérito imperfeito? Pois nos últimos tempos eu comecei a temer a caminhada, a olhar demais para o chão para ver se encontrava uma pedra da qual eu deveria me desviar.

 

Minhas mãos começaram a tremer, e cheguei a pensar que pudesse ser o frio: 9ºC marcava no relógio que se encontrava parado no meio da avenida. Olhei para o céu e avistei um leque de cores deslumbrantes dançando como se houvesse ao fundo uma melodia.

 

E havia. Na minha mente, pelo menos, não parava de tocar uma música em que o refrão insistia em me alertar que havia algo de estranho acontecendo. Olhava à volta, e me sentia sozinha no meio de uma multidão que se deslocava desordenadamente para várias direções.

 

Continuava a tremer, e já não sabia mais dizer se era realmente o frio. Senti dentro de meu peito um vazio indistinguível. E o que mais me preocupava era o motivo. Nada me vinha à cabeça. Na verdade, minha cabeça acabara de virar uma pista de carrinhos de bate-bate, onde um pensamento se colidia com o outro numa velocidade superior a que eu pudesse raciocinar algo de concreto. A cada som de batida que ouvia em minha mente, respirava mais fundo e me concentrava a fim de encontrar aquela que me fizesse compreender o motivo que causara o caos em que me encontrava. Até que então um barulho ensurdecedor invadiu-me. O som era tão forte que nada mais ouvia, e os faróis dos carros pareciam agora embaçados.

 

Fechei os olhos e pensei. Pela primeira vez. E finalmente me avistei. Me encontrei sozinha no meio de um mundo o qual eu não entendia, e tinha certeza de que nunca iria entender. Como se colocassem um espelho em minha frente, me vi ali. Sozinha. Pensando. E aí que estava o erro. Eu estava pensando! Cadê a pessoa com quem eu convivi desde que eu nasci? Havia escorregado do alto de uma montanha quando parou para pensar se estava pegando o caminho certo, e agora, estava caindo rumo ao precipício. Segurei minha mão, puxei-me de volta. Estou aqui agora, voltei.

 

Não é que eu não goste de pensar. Na verdade, eu não acho certo. Eu vivo melhor assim, sendo envolta por puro impulso. As melhores coisas do mundo acontecem quando a razão foge ao mundo real. E a vida se resume a tentar retirar o melhor de cada dia, não é mesmo?

 

Não, eu não quero mudar, obrigada. Preciso? Me dê um bom motivo então. Aí quem sabe, voltemos a conversar. Mas já aviso: nada é certo. Pode ser que dentre esses impulsos, um me leve para muito longe, e eu não consiga mais te ouvir.

 

Me dê um beijo, pode ser o último. Estou me preparando para pular. E se eu cair, fique tranquilo, não vou te levar. Mas quando me levantar, também nada espere, nem sequer vou te olhar. Mesmo se você gritar.

 

Não se esqueça, talvez eu não consiga te ouvir. Ou talvez, apenas não queira te escutar.

 

Débora Bortoletto 

 

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